Explicando as manchas de óleo no Nordeste

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Desde o início de setembro de 2019, o litoral nordestino está enfrentando o maior derrame de petróleo em extensão já registrado na região. Mais de 160 pontos foram afetados pelo surgimento de manchas de óleo no litoral sem saber a procedência. Pesquisadores – incluindo oceanógrafos – realizaram diversos estudos e análises para descobrir a origem desse desastre, porém tudo é um mistério. A única certeza é que o meio ambiente está gravemente prejudicado. Como essas manchas chegaram à costa brasileira e quais são os possíveis impactos? É o que iremos discutir.

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Foto: Leo Malafaia
Fonte: Folha PE

O transporte

Segundo o IBAMA, através de imagens de satélites, foi constatado que não foram localizadas manchas no oceano aberto, o que indica que a origem pode estar submersa e, como o óleo é menos denso que água, ele ascende até a superfície ficando à deriva. O que define a direção e sentido de um corpo à deriva no oceano são as correntes oceânicas de superfície e o regime de ventos e de marés.

A Corrente do Brasil (CB) oriunda da bifurcação que a Corrente Equatorial forma na região, do ramo mais ao sul, origina também a Corrente do Norte do Brasil (CNB). A CB flui para Sul bordejando o litoral leste do Brasil, enquanto a CNB flui para norte, beirando o litoral. Logo, as pequenas correntes costeiras, influenciadas pelo regime dos ventos, transportam as manchas até as praias.

Representação esquemática da região de origem da CB
Fonte: Stramma et al (1990)

Nessa época do ano, entre os meses de Agosto e Outubro, os ventos Alísios se intensificam. Esses ventos circulam em latitudes próximas à linha do Equador, local de encontro das células de Hadley, que são células de circulação atmosférica próximas à latitude 0º, que intercalam a alta pressão e a baixa pressão. O encontro das duas células forma a zona de convergência intertropical (ZCIT), onde ocorre a calmaria de ventos, enquanto dentro de cada célula, os ventos alísios sopram forte e constantemente, colaborando para levar as manchas de óleo até as praias nordestinas.

Portanto, a soma do atrito dos ventos na superfície do mar com as correntes superficiais do Oceano Atlântico compõe o vetor de transporte das manchas de óleo que de alguma forma foram lançadas em alto mar. Pela textura viscosa das manchas de óleo que chegaram ao litoral é possível perceber o longo tempo que já estavam à deriva no mar.

Correntes de superfície da costa brasileira
Fonte: Unisanta

Os Impactos Econômicos

O litoral nordestino é uma das principais rotas de turismo no Brasil. Até então não se sabe ao certo a dimensão do impacto do acidente na economia ligada ao turismo, visto que esta é a época que antecede os turistas para o verão.

Ecossistemas mais sensíveis e de suma importância, tanto ecológica quanto econômica como manguezais e estuários que são berçário de espécies marinhas, também foram afetados de acordo com relatos de pescadores e marisqueiros, que suspenderam as atividades devido ao surgimento de óleo sobre os animais, que não só agride a sobrevivência dos organismos como danifica as redes e as embarcações.

Perigos para a vida marinha

O impacto do petróleo na vida marinha é preocupante. Devido à sua viscosidade, o óleo pode comprometer as habilidades de sobrevivência das aves marinhas, por ser capaz de grudar em suas penas, dificultando o vôo e a impermeabilização. Nas tartarugas, o óleo pode dificultar a natação, impedir a respiração, danificar a estrutura corpórea e alterar comportamentos. A toxicidade do óleo ameaça a vida de inúmeros organismos, principalmente os juvenis.

Dezenas de animais já foram encontrados mortos relacionados às causas do acidente no litoral nordestino. O Projeto Tamar/Fundação Pró-Tamar vem monitorando intensamente as praias de Sergipe e do litoral Norte da Bahia, áreas consideradas prioritárias para a reprodução e conservação de três das cinco espécies de tartarugas marinhas que ocorrem no litoral brasileiro.

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Tartaruga coberta de óleo encontrada na praia de Itatinga, em Alcântara, no Maranhão. Foto: Julio Deranzani Bicudo
fonte: UOL notícias

Os recifes de corais também estão entre os ecossistemas ameaçados. O imenso ambiente de recifes de corais na baía de Todos os Santos – BA já foi atingido pelas manchas. As oscilações de maré podem ter contribuído para o acesso dessas manchas neste ambiente. O óleo pode entrar em contato com a população recifal nos períodos de maré baixa e a sua remoção é extremamente complexa, podendo afetar a estrutura dos corais, comprometendo a saúde dos mesmos e de todo o ecossistema envolvido. O tempo mínimo de recuperação nestes recifes é de 30 anos.

EcossistemasExtensão (Km)SensibilidadeVulnerabilidade
Praias Arenosas1155 (50%)médiaBaías e embocaduras
Litoral de mangues480 (20%)altaVida juvenil
Litoral de recifes720 (30%)altacadeia alimentar
Total2355

O Futuro

Apesar de completar mais de um mês, pesquisas incansáveis vem sendo realizadas para desvendar todo o mistério sobre o aparecimento dessas manchas de óleo e porém ainda permanece uma imensa incerteza a longo prazo quanto ao impacto à saúde desses ambientes costeiros e dos organismos que ali vivem.

Surpreendentemente a conscientização de moradores locais despertou uma enorme rede de voluntários que se uniu para realizar a coleta e descarte das manchas e sensibilizando o país inteiro, mas a chegada das manchas não cessam. Vale lembrar que ao encontrar um animal encalhado na praia, a recomendação é chamar imediatamente os órgãos ambientais envolvidos dentro do seu município e jamais tocá-los, pois o óleo também pode apresentar perigo para a saúde humana.

Foto: Heudes Regis

A dinâmica desses ambientes é complexa e sensível, porém a sua resiliência é o nosso ponto de esperança de que a natureza, junto com a população, possa se reerguer diante dessa triste crise.

Fontes: TAMAR, NEMA, IBAMA, El País, Estado de Minas, TV Bahia
Estudos:
TSENG, F. S. (1999). Considerations in care for birds affected by oil spills. Semin. Avian Exotic Pet Med., [S.l.], v. 8, n. 1, p. 21-31.
Silveira, r. c. A. da; Miranda, L. B. de & Brown, W. S. 1994. On the origins of the North Brazi1 Current. J .Geophys. Res., 99(C11):22501- 22512.
GARRISON, T. 2010. Fundamentos de Oceanografia. p. 173.

Escrito por Roberta Bonturi e Paula Charnaux
Colaboração de Rafael Dias
Revisado por David Zee

Comment

2 Replies to “Explicando as manchas de óleo no Nordeste”

  1. Parabéns pela abordagem utilizada no relato. Um assunto polêmico mas que não pode deixar de ser pontuado.

  2. Obrigada, fala -se muito mas informações confiáveis nos dão alguma esperança.

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