Recifes Artificiais: construindo cidades submersas

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Recifes artificiais e estruturas correlatas (RAECs) têm sido utilizados há bastante tempo e com diversos objetivos. São usados para promover o turismo de mergulho, criar melhores condições para a prática de surfe, recuperar áreas biologicamente degradadas, combater a erosão costeira e como atratores na atividade pesqueira. Entretanto, a implantação de recifes artificiais não é tão simples, e se feita de maneira inadequada pode gerar impactos negativos no ambiente e na sociedade local.

Navio naufragado na II Guerra Mundial funciona como recife artificial na costa da Carolina do Norte, EUA. Foto: NOAA. 
Disponível em: <https://oeco.org.br/noticias/video-o-que-sao-recifes-artificiais-por-robin-hilbert/>. Acesso em: 30 jan. 2022.

O que são recifes artificiais?

Podem ser definidos como estruturas inseridas no meio aquático, de maneira proposital ou não, que fornecem o substrato necessário para o desenvolvimento de uma comunidade biológica, simulando o que ocorre em recifes naturais. Os recifes artificiais têm como finalidade conservação, manejo, pesquisa e/ou exploração e aproveitamento sustentável dos recursos do mar, portanto, nem toda estrutura fundeada no mar é um recife artificial.

O crescimento da comunidade de novos organismos se deve a fatores como a disponibilidade de superfície para povoamento, de alimento e de abrigo que a estrutura oferece. Pequenos organismos como algas e invertebrados se aderem à superfície da estrutura (organismos sésseis), e a partir desse povoamento inicial, a comunidade biológica se desenvolve. Organismos produtores fornecem alimento para pequenos consumidores, que servem de alimento para organismos maiores e assim sucessivamente. Os peixes e demais animais utilizam também as fendas da estrutura como abrigo contra a correnteza e contra predadores.

Cardume em recife artificial. Foto: think4photop / Shutterstock

Os recifes artificiais podem ser feitos de vários materiais, naturais ou não, como embarcações naufragadas (propositalmente ou por acidente) e até mesmo estruturas de concreto feitas especialmente para essa finalidade. Cada material é mais ou menos eficiente dependendo das condições e do objetivo da implantação do recife.

Pesquisador mergulha em recifes artificiais de concreto. Foto: Galeria Rebimar/Associação MarBrasil. Disponível em: <https://marbrasil.org/rebimar/>. Acesso em: 30 jan. 2022.

Os diversos usos dos recifes artificiais

-Atividade pesqueira: Recifes artificiais são utilizados por pescadores artesanais há bastante tempo por agregarem uma grande concentração de peixes em uma área relativamente pequena, e por isso, é importante que haja o monitoramento do recife para evitar a sobrepesca. São utilizados também para impedir a pesca de arrasto em locais onde a prática é proibida, pois as estruturas artificiais danificam as redes.

-Surfe e proteção à costa: recifes artificiais podem ser desenvolvidos e implantados com o objetivo de alterar a ondulação de um local, seja para criar ondas maiores e promover a prática do surfe ou para mitigar os impactos do mar sobre a costa, como a erosão costeira.

-Turismo subaquático: recifes artificiais, em especial aqueles formados por naufrágios, são grandes atrativos para atividades de mergulho recreativo, movimentando a economia através do turismo em diversos locais do mundo. Podem servir também como ferramenta de manejo do turismo subaquático, redirecionando as atividades de mergulho para os recifes artificiais e assim mitigando o impacto sobre os recifes naturais.

Mergulhador explora naufrágio. Disponível em:https://br.freejpg.com.ar/imagens/premium?q=recife-artificial

-Recuperação de ambientes marinhos degradados: a implantação de recifes artificiais também tem sido utilizada para recuperar ambientes biologicamente degradados. A gestão dos recifes para essa finalidade pode promover o ordenamento da atividade pesqueira e o incremento na biodiversidade, melhorando a qualidade ambiental.

Cuidados

Apesar de a ideia de criar um recife artificial parecer simples, é necessário passar por uma série de procedimentos para que o objetivo da implantação do recife seja atingido sem causar danos à biodiversidade nem aos padrões oceanográficos do local e buscando sempre evitar conflitos socioambientais a respeito da utilização da estrutura.

Fatores como o tamanho e o material da estrutura devem ser levados em consideração. Da mesma forma, características naturais do ambiente também devem ser observadas, entre elas a profundidade, as correntes e o recrutamento de larvas carregadas por elas, a ação das ondas, o tipo de sedimento do fundo e a biodiversidade já presente no local e nos arredores. Além disso, antes de entrar em contato com o ambiente, a estrutura deve passar por uma preparação que remova quaisquer possíveis poluentes, tais como tintas anti-incrustantes, óleos e metais pesados.

Um fator que tem gerado preocupação é que os recifes artificiais poderiam favorecer o estabelecimento de espécies exóticas, a chamada bioinvasão, que é o segundo maior fator de extinção de espécies no planeta. A instalação de recifes artificiais próximos a recifes naturais pode funcionar como uma ponte para que espécies invasoras, muitas vezes trazidas na água de lastro dos navios, alcancem os ambientes recifais já estabelecidos, competindo por espaço e alimento com as espécies nativas. Por isso, é importante realizar estudos de impacto ambiental buscando resguardar os recifes naturais.

Naufrágio tomado por colônias do Coral-sol, espécie invasora na costa brasileira. Ilha de Búzios, SP, 2016. Foto: Leo Francini. Disponível em: <https://jornal.usp.br/atualidades/coral-exotico-tem-se-alastrado-e-causado-impactos-ambientais-na-costa-brasileira/>. Acesso em: 30 jan. 2022.

Recifes artificiais no Brasil

O Brasil conta com recifes artificiais em vários pontos da costa, e as estruturas variam bastante no que diz respeito à sua composição e finalidade. Um dos exemplos mais emblemáticos é o Parque dos Naufrágios, em Pernambuco, que conta com 18 naufrágios. A maioria deles foi naufragada propositalmente em um projeto do início dos anos 2000, com objetivos específicos de conservação ambiental e exploração do ecoturismo de mergulho. Recentemente, nova iniciativa planeja mais de 120 afundamentos propositais ao longo da costa brasileira para incentivar o turismo subaquático, inclusive dentro de unidades de conservação. Esse fato alarmou especialistas a respeito da falta de estudos de impacto ambiental e da dificuldade de monitoramento de um projeto dessa proporção.

Navios Riobaldo e Natureza antes de serem naufragados no Parque dos Naufrágios Artificiais de Recife, PE. Foto: Reprodução TV Globo. Disponível em: < https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2019/09/14/parque-dos-naufragios-artificiais-de-pernambuco-ganha-mais-dois-navios.ghtml>. Acesso em 30 jan. 2022.

Considerações finais

Os recifes artificiais podem ser importantes ferramentas de manejo e pesquisa em áreas costeiras, além de movimentarem a economia dos setores do turismo e da pesca. Entretanto, é necessário estudar os possíveis impactos da instalação do recife para assegurar a integridade da própria estrutura e, principalmente, do ambiente à sua volta, uma vez que as atividades econômicas associadas aos recifes dependem de um meio ambiente saudável. Além disso, é preciso que os objetivos da sua implantação sejam claros e condizentes para evitar conflitos socioambientais, visto que o mar é um espaço de uso coletivo.

Escrito por: Januário Campos de Amorim

Referências Bibliográficas

Castanhari, G., Tomás, A. R. G., Elliff, C. I. Benefícios, prejuízos e considerações relevantes na utilização de sistemas de recifes artificiais e estruturas correlatas. Revista de Gestão Costeira Integrada – Journal of Integrated Coastal Zone Management 12, no. 3 (2012):313-322. Redalyc. Disponível em: <https://www.redalyc.org/pdf/3883/388340138004.pdf>. Acesso em: 27 jan. 2022.

MESQUITA, João Lara. Recifes artificiais no litoral do Brasil – Entrevista com o oceanógrafo Frederico Brandini. Mar Sem Fim, 2020. Disponível em: <https://marsemfim.com.br/recifes-artificiais-no-litoral-do-brasil/>. Acesso em: 30 jan. 2022.

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MENEGASSI, Duda. Nova regulamentação para recifes artificiais flexibiliza regras e deixa lacunas. O eco, 2021. Disponível em: <https://oeco.org.br/reportagens/nova-regulamentacao-para-recifes-artificiais-flexibiliza-regras-e-deixa-lacunas/>. Acesso em: 23 jan. 2022.

NAGAO, Luis Carlos Hiromi. Ministério do Meio Ambiente. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 28, DE 24 DE DEZEMBRO DE 2020. Disponível em: <https://www.in.gov.br/web/dou/-/instrucao-normativa-n-28-de-24-de-dezembro-de-2020-296444001>. Acesso em: 30 jan. 2022.

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