Cientistas ao redor do mundo estimam que apenas cerca de 20% do oceano tenha sido explorado e mapeado em detalhes. Vastos e ainda desconhecidos, os oceanos abrigam um mundo muito pouco estudado e profundamente misterioso: o reino dos animais abissais. Essas criaturas habitam as regiões mais profundas dos mares, onde a pressão é esmagadora, a escuridão é total e os recursos são escassos. Imagine você que a profundidade média tanto do Pacífico como do Atlântico é da ordem de 3.800 metros e que a luz do sol só ilumina uma fina camada superficial de 100 metros. Abaixo disso a escuridão é completa.
Os animais abissais enfrentam desafios únicos para sobreviver nessas regiões de difícil acesso do oceano. Muitos desenvolveram corpos flexíveis e gelatinosos que são capazes de suportar a enorme pressão das águas profundas, além de se contorcer por entre as fendas das rochas submarinas em busca de alimento. Um exemplo notável é o polvo-dumbo, que utiliza suas “orelhas” semelhantes a nadadeiras para nadar de maneira graciosa nas profundezas.
Outro exemplo é o peixe-dragão, espécie que foi encontrada no arquipélago de Fernando de Noronha durante um estudo desenvolvido por cientistas da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto Francês IRD (Institut de Recherche pour le Développement). Ele possui uma mandíbula altamente extensível para capturar presas de vários tamanhos.
Alguns animais abissais adotaram estratégias de flutuação neutra para conservar energia e se mover eficientemente nesse ambiente aquático extremo. Além disso, muitos desses animais são carnívoros e possuem presas afiadas, bocas e estômagos enormes, permitindo-lhes comer outros animais maiores do que eles e ficar vários dias sem precisar se alimentar novamente. Com sua enorme boca, são capazes de engolir presas grandes, armazenando energia para períodos de escassez.
Adaptados à escuridão quase completa, muitos desenvolveram estratégias incríveis para detectar presas e evitar predadores. Alguns, como os peixes-pescadores, possuem órgãos bioluminescentes que emitem luz para atrair suas presas na escuridão. O peixe-pescador fêmea, por exemplo, tem um apêndice luminoso na cabeça que funciona como isca para atrair presas desavisadas. Outros, como o tamboril, possuem fotóforos, células especiais que produzem luz, permitindo-lhes comunicação e camuflagem.
Estudos realizados na região abissal, apresentaram à comunidade científica um animal com uma característica um tanto peculiar. Uma pequena água-viva de não mais do que dois centímetros de diâmetro, a Turritopsis nutricula, é uma das cerca de 4 mil espécies de águas-vivas conhecidas no planeta. Descoberta em 1843 pelo zoólogo francês René-Primevère Lesson, sua capacidade de regeneração e imortalidade só foi reconhecida mais recentemente. Duas versões sobre essa característica inusitada surgiram: uma, relatada pelo estudante alemão de biologia marinha Christian Sommer em 1988, quando descobriu acidentalmente sua imortalidade enquanto coletava espécies no Mar Mediterrâneo; a outra, atribuída ao pesquisador japonês Shin Kubota, que observou o poder de regeneração ao retirar espinhos de uma água-viva e perceber que ela rejuvenescia. O ciclo de vida da Turritopsis nutricula envolve envelhecimento e rejuvenescimento contínuos, possibilitando-lhe retornar ao estágio inicial de desenvolvimento mesmo após atingir a maturidade sexual. Essa capacidade, no entanto, não a torna invulnerável à morte, pois pode ser predada, mas abre a possibilidade teórica de que seu processo de regeneração seja perpetuado indefinidamente.
A pressão extrema das profundezas é outro desafio constante para os animais abissais. Para sobreviver, muitos desenvolveram corpos que são quase inteiramente constituídos de água, o que lhes permite resistir à pressão esmagadora sem danos estruturais. O peixe-caracol, por exemplo, é conhecido por sua adaptabilidade a essas condições extremas, vivendo em fossas oceânicas a profundidades de até 8.000 metros.
As adaptações impressionantes desses animais permitem que prosperem onde poucas outras formas de vida poderiam sobreviver. A medusa fantasma, com seus longos tentáculos, caça na escuridão total, capturando presas com suas células urticantes. A lula-vampiro, apesar de seu nome assustador, é uma criatura que se alimenta de detritos marinhos, utilizando filamentos sensíveis para capturar partículas orgânicas na água. Enfim, todos esses seres abissais evoluíram e se adaptaram nessas condições extremas para sobreviver. Estudar e conhecer esses estranhos animais talvez nos permita aprender novas estratégias para desenvolver tecnologias inovadoras, ou mesmo, descobrir elementos químicos para base de novos fármacos.
A vida nos abismos oceânicos é um testemunho da incrível diversidade e da resiliência da vida nos oceanos. É extraordinária a capacidade de adaptação dos animais abissais. À medida que exploramos e compreendemos melhor esses ambientes extremos, podemos obter conhecimentos valiosos sobre a evolução da vida e aprender estratégias de sobrevivência para a humanidade num planeta em constante mutação. As mudanças climáticas atuais demonstram essa necessidade de adaptação do homem num futuro incerto e repleto de desafios de sobrevivência. Além disso, a preservação dos oceanos só será atingida se houver conhecimento para orientar as ações humanas.
Escrito por Carla Lessa
Referências Bibliográficas
https://segredosdomundo.r7.com/animais-abissais/
https://repositorio.uniceub.br/jspui/handle/123456789/2494
https://repositorio.uniceub.br/jspui/bitstream/123456789/2494/2/9971226.pdf
ARAGUAIA, Mariana. “Seres da zona abissal”; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/biologia/seres-zona-abissal.htm. Acesso em 09 de maio de 2024.