Água de Lastro

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Imagine uma embarcação que acabou de ser descarregada em um porto. Um grande navio descarregado fica instável para a navegação, podendo sofrer acidentes em águas mais turbulentas ou em tempestades. Assim, precisa compensar o peso da carga com outro material para poder navegar com segurança. O lastro é esta prática importante que preenche os porões de grandes embarcações descarregadas para equilibrar sua estrutura física, assegurando assim as condições de navegabilidade. Por outro lado, esta prática tem sido discutida pelas organizações marítimas e por ambientalistas pelo grande potencial de impacto na saúde de ecossistemas costeiros.

Antigamente, os tanques ou porões dos navios eram preenchidos por pedras ou areias. No final do século XIX, a prática foi modificada, e desde então, a água é utilizada para lastrear as embarcações. Quando este navio atracar novamente em outro porto para receber sua carga, a água de lastro será despejada, processo chamado de deslastro. Mas por que devemos nos preocupar?

Navio despejando agua de lastro

A água de lastro está relacionada a um grande potencial de degradação ambiental ao transferir uma determinada massa d’água característica de um oceano ou um estuário de um porto para outro. A água de lastro coletada pelas bombas de navio não passa por seleção, ou seja, milhões de microorganismos são retirados do seu habitat e transportados para outro local. O perigo encontra-se na captura, despejo e conteúdo desta água.

Para deixar mais claro, um litro de água do mar pode conter cerca de 20 mil microorganismos. O maior navio cargueiro do mundo possui a capacidade de transportar 235 piscinas olímpicas (± 632.500.000 litros). Consegue imaginar quantos organismos podem ser deslocados?

Esquema da utilização da água de lastro

Os organismos mais resistentes sobrevivem às grandes viagens e quando são despejados em outro porto com características climáticas semelhantes ao porto de origem, podem desequilibrar o ecossistema no qual foi inserido. Chamamos de espécies exóticas invasoras aquelas que se estabelecem além de sua distribuição natural, sendo introduzida acidentalmente ou não pelo homem.

Um exemplo de espécie que supostamente foi introduzida na costa brasileira pela água de lastro é o Peixe Leão, nativo da região de confluência dos oceanos Pacífico e Índico e avistado pela primeira vez no Atlântico há 30 anos. Por não possuírem um predador natural no oceano Atlântico e se adaptarem facilmente a qualquer clima e ambiente, o Peixe Leão acaba dizimando várias espécies nativas por onde passa. Para saber mais sobre o impacto dessa e de outras espécies exóticas nos ecossistemas, clique aqui.

Hoje, existem cerca de 30 mil navios realizando o transporte de quase seis bilhões de toneladas anuais do comércio internacional, representando um papel fundamental na economia global. O mapa abaixo é do Marine Traffic que fornece informações em tempo real sobre o tráfego marítimo. Os símbolos verdes indicam Navios Cargueiros que transportam cargas em geral.

Controle da Água de Lastro

Foi na década de 90 que as diretrizes internacionais para o gerenciamento voluntário da água de lastro começaram a ser implantadas por órgãos marítimos responsáveis, principalmente pela Organização Marítima Internacional (IMO), que institui um sistema de colaboração entre os governos para elaborar planos de gerencia de navegação comercial internacional. A principal recomendação era realizar a troca de água oceânica, respeitando a distância de 200 milhas náuticas até a linha de costa do porto de destino, técnica praticada até hoje.

Em 13 de fevereiro de 2004, a IMO adotou a Convenção Internacional para Controle e Gerenciamento da Água de Lastro e Sedimentos de Navios, tendo como objetivo prevenir, minimizar e, por fim, eliminar os riscos da introdução de organismos aquáticos nocivos e agentes patogênicos existentes na água de lastro dos navios que entram nos portos.

No Brasil, o gerenciamento da água de lastro é tratado pela NORMAM-20/2005. De acordo com as normas, além de possuírem o Plano de Gerenciamento da Água de Lastro e de realizarem a troca oceânica, os navios devem fornecer à Autoridade Marítima e à ANVISA o Formulário sobre Água de Lastro devidamente preenchido.

Soluções

Para minimizar os riscos, as embarcações devem seguir as normas nacionais e internacionais e os portos devem possuir um controle de monitoramento. De acordo com a matéria realizada pela revista Portos e Navios, em 2017, o Porto de Paranaguá-PR, conseguiu monitorar a água de lastro de cerca de 98% das embarcações que atracaram no local. Todas as embarcações apresentaram bons resultados confirmando que o gerenciamento da água de lastro tem estado de acordo com as normas ambientais em alguns portos aqui no Brasil.

A troca de água oceânica pode, de fato, reduzir o impacto das espécies exóticas na região costeira. A ideia é que organismos costeiros capturados nos portos de origem teriam menos chance de sobreviver em águas oceânicas mais salinas próximas aos portos de destino. Entretanto, especialistas acreditam que esta prática não só pode comprometer os limites de segurança dos navios como também não elimina a possibilidade de dispersão das espécies introduzidas, apenas transfere o problema para outro local.

Outra solução consiste em formas de tratamento físico-químico da água de lastro usando processos como filtração, aquecimento, choque elétrico, ondas sonoras, irradiação, aplicação de biocidas, desoxigenação e outros. Ainda sim, não são técnicas 100% efetivas e economicamente viáveis.

O ideal seria que outros métodos de tratamento e/ou gerenciamento da água de lastro efetivos fossem desenvolvidos e que pudessem substituir essa técnica de forma mais ecológica. Desde então, institutos de pesquisa de engenharia e ciência estão tentando encontrar meios cada vez mais seguros.

O transporte marítimo está longe de perder sua importância nesse mundo cada vez mais conectado. Cabe a nós, desfrutarmos das possibilidades que os oceanos nos oferecem com consciência, buscando sempre causar o menor impacto possível na vida marinha.

Escrito por: Roberta Bonturi

REFERÊNCIAS

Portos e Navios

SERAFIN, Ieda Terezinha; HENKES, Jairo Afonso. Água de lastro: um problema ambiental. Revista Gestão & Sustentabilidade Ambiental, [S.l.], v. 2, n. 1, p. 92-112, jun. 2013. ISSN 2238-8753. Disponível em: <http://www.portaldeperiodicos.unisul.br/index.php/gestao_ambiental/article/view/1453/1110>. Acesso em: 21 abr. 2020. doi:http://dx.doi.org/10.19177/rgsa.v2e1201392-112.

https://www.marinha.mil.br/tm/sites/www.marinha.mil.br.tm/files/file/biblioteca/trabalhos_academicos/tr_2014_L%C3%ADvia_Milhomem.pdf

https://www.mma.gov.br/biodiversidade/conservacao-de-especies/especies-exoticas-invasoras.html

DAMACENA, Fernanda Dalla Libera; SILVA, Renato Carvalho da. Bioinvasão por água de lastro: um problema de direito e uma ameaça à sustentabilidade. Revista Eletrônica Direito e Política, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI, Itajaí, v.10, n.1, edição especial de 2015. Disponível em: www.univali.br/direitoepolitica – ISSN 1980-7791.

http://web.antaq.gov.br/portalv3/MeioAmbiente_AguaDeLastro.asp

https://www.mma.gov.br/informma/itemlist/category/111-agua-de-lastrohttps://revistajuridica.presidencia.gov.br/index.php/saj/article/viewFile/362/355

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