A teoria dada por cientistas, como Paul Crutzen, define que o Antropoceno é a época geológica moldada pela existência humana. Em outras palavras, assim como o clima, a biodiversidade e os oceanos, as pessoas passaram a ter influência no sistema climático global. Entretanto, para marcar uma época geológica, são necessários registros irrefutáveis, uma assinatura do período, como os depósitos geológicos bem definidos da época anterior e o ponto em que os sinais são marcantes o suficiente para afirmar que a Terra está em outra época, de acordo com a geoquímica Sonia Maria Barros de Oliveira, do Instituto de Geociências (IGc) da USP.
Assim, esses mesmos depósitos geológicos podem nos ajudar a projetar um cenário com o clima daquela época. Como antes do século XIX a frequência de registros de temperatura e precipitação era extremamente rara, os cientistas utilizam amostras ambientais coletadas, chamadas de testemunhos e que estão presentes nas diferentes épocas conhecidas desde a formação da Terra para medir indiretamente os climas passados ou ambientes preservados. Sedimentos lacustres, testemunhos de gelo, anéis de árvores e esqueletos de corais são arquivos naturais que podem ser usados para reconstruir alterações climáticas na superfície da Terra durante os últimos séculos, milênios ou até milhões de anos. Essa área de estudo é conhecida como Paleoclimatologia.
Nas análises para reconstruir alterações climáticas, os oceanos possuem importante colaboração na obtenção de um paleoambiente, principalmente em uma perfuração científica. Com o programa de perfuração do fundo marinho, é possível recuperar uma estrutura do registro ambiental que será levado em consideração. Ademais, testemunhos sedimentares coletados por perfuração do fundo marinho são menos afetados por processos naturais, como o intemperismo, o que tende a facilitar a interpretação das alterações climáticas passadas. Como fonte de informação paleoclimática a partir dessa perfuração, os foraminíferos são o destaque nas análises por possuírem uma carapaça, também chamada testa, que é composta de carbonato de cálcio que se preserva ao longo do tempo. Assim, é possível fazer análises geoquímicas de sua composição, como a análise de isótopos estáveis, que é feita com base na variação da razão entre seus diferentes isótopos. Ao saber que os foraminíferos absorvem diretamente os elementos químicos para formação de sua testa a partir da água do mar, sua composição refletirá a composição da água do mar na época de sua formação.
Com essa técnica científica, variáveis climáticas como a temperatura da água do mar vêm sendo reconstruídas por meio dos registros paleoambientais. A partir de registros continentais, também é possível reconstruir variações nos regimes de chuva, por exemplo. Assim, a partir dessas reconstruções, é possível identificar o que são mudanças climáticas geradas por processos naturais do nosso planeta, separando o impacto humano. Isso porque, uma das preocupações atuais, se não a principal, é se o aquecimento global identificado ao longo dos últimos anos foi causado pela variabilidade natural do clima ou pelo aumento de emissão de gases de efeito estufa na atmosfera pelo homem.
Com base nos dados reconstruídos no decorrer dos anos e por meio de resultados de modelos climáticos, chegou-se a conclusão de que o aumento da temperatura média global ao longo dos últimos 100 anos não é causado por forçantes naturais como variações na quantidade de radiação solar que chega na Terra, nem é resultado de eventos como El Niño. E sim causados pelas ações humanas relacionadas à queima de combustíveis fósseis e mudança no uso da superfície (como desmatamento), como pode ser observado em relatórios do “The Intergovernmental Panel on Climate Change” (IPCC), que é o órgão das Nações Unidas para avaliar a ciência relacionada às mudanças climáticas. Muitas dessas informações e conclusões foram obtidas através de pesquisas oceanográficas, a partir de testemunhos de sedimento marinho. Assim, a evidência desses fatos permite refletir sobre o aumento da temperatura média global e como isso afeta a saúde e qualidade de vida da humanidade. Os eventos intensificados pelo aquecimento global atingem a sociedade, principalmente as pessoas em situação de vulnerabilidade. Essa enorme influência antrópica, tanto na vida das pessoas como também no planeta, faz com que essa era geológica concorra para ser denominada Antropoceno.
Os oceanos têm papel fundamental no armazenamento e redistribuição de calor no nosso planeta. Esse serviço ambiental é importantíssimo para regular o clima da Terra. A capacidade térmica dos oceanos é alta se comparada com a da atmosfera. Tal propriedade permite a redução das diferenças de temperatura e cria um ambiente favorável à vida em quase toda a superfície da Terra. Além disso, a água retarda a resposta dos oceanos aos efeitos ocasionados pelos fatores climáticos em comparação com a atmosfera. Assim, os oceanos ajudam a diminuir a velocidade das mudanças climáticas que tanto afetam a qualidade de vida do homem e o equilíbrio do planeta.
Com as pesquisas apontando a nossa influência na estabilidade climática do planeta, é essencial reconhecer que as ações humanas a têm afetado de maneira determinante. Assim, é preciso compreender que uma das soluções para reduzir os impactos das mudanças climáticas é cuidar dos nossos oceanos. Estes têm capacidade de mitigar grande parte dos efeitos nocivos que comprometem a nossa sobrevivência no planeta, ao armazenar o excesso de calor relacionado às mudanças climáticas. Entretanto, a ação mais eficaz que precisamos realizar para nossa sobrevivência é reprogramar o nosso modo de vida. A humanidade precisa promover mudanças para ter chance de um futuro viável e sustentável.
Escrito por: Erica F. Dias, sob supervisão de Luciana F. Prado e David Zee
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