“Blue Food”: as diferentes fontes de alimentos marinhos

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A pesca no Brasil

Em um contexto de crise climática e com a maior parte da população do Brasil e do mundo vivendo em áreas próximas ao litoral, o mar se mostra como uma importante fonte de proteínas e garantia de segurança alimentar e renda (ZAMBONI, 2022). Apesar disso, segundo a Auditoria da Pesca, realizada pela Oceana em 2021, o Brasil desconhece a situação de 93% dos seus estoques pesqueiros comercialmente explorados (DIAS, 2021). Ou seja, o país pesca no escuro, sem saber se a população das espécies alvo está sendo sobreexplorada ou não. Tal cenário ameaça a sobrevivência dessas espécies e, consequentemente, das comunidades litorâneas que têm no mar sua principal fonte de renda e alimentos.

Peixes desembarcados.
Foto: Oziel Gómez / Pexels.

O atraso em relação à gestão pesqueira é fruto, entre outras coisas, da mentalidade implementada no período pós 2ª guerra mundial, de que o oceano seria uma fonte inesgotável de recursos. Essa forma de pensar levou muitas espécies ao colapso devido à pesca excessiva, além de aumentar o conflito entre a pesca artesanal e a pesca industrial, modalidade pouco viável na costa brasileira. Existe uma dificuldade na pesca industrial no litoral brasileiro, pois, apesar de ser um litoral bastante diverso em número de espécies, possui pouca biomassa de pescado. Tal fato decorre de as nossas águas serem relativamente pobres em nutrientes e por isso não favorecem o desenvolvimento do pescado.

A pesca no território marítimo brasileiro é muito mais importante sob o ponto de vista social do que econômico para o país, sendo fonte de emprego, renda e alimento para muitas comunidades pesqueiras originais, como indígenas, caiçaras, quilombolas, açorianos e pescadores artesanais em geral. Estima-se que a atividade pesqueira (captura, beneficiamento e venda) emprega diretamente mais de 800 mil pessoas e serve, direta e indiretamente, como sustento para quatro milhões de pessoas no Brasil (LOPES et al, 2015). Assim sendo, fomentar a pesca artesanal além do alimento propriamente dito promove emprego e renda para os segmentos sociais mais carentes.

Pesca artesanal com tarrafa.
Foto: DoDo PHANTHAMALY / Pexels.

Subsídios à pesca industrial: o que são e qual a problemática envolvida

A escassez de pescado é um quadro que se agrava mundialmente, e faz com que os navios pesqueiros tenham que ir cada vez mais longe, e por períodos cada vez mais longos para pescarem a cota desejada. Isso aumenta o custo operacional da pescaria, pois gasta-se mais combustível, requer maquinário mais potente e petrechos mais eficientes (ZAMBONI, 2022).

Nesse contexto surgem os subsídios à pesca industrial, que são recursos financeiros bilionários, repassados ao setor pesqueiro industrial, para que assim os navios consigam pescar mais longe e por mais tempo, mascarando o real custo da atividade. Dessa forma, muitas frotas mantêm uma aparente lucratividade, e seguem explorando estoques pesqueiros já escassos, muitas vezes em águas internacionais ou em águas de países menos desenvolvidos (OCEANA, 2021). Entre os principais países que subsidiam suas frotas, destacam-se China, Japão, Estados Unidos, Rússia, Taiwan, Indonésia e a União Europeia, em especial Espanha e Noruega.

Em 2021, após mais de 20 anos de debate, finalmente a Organização Mundial do Comércio (OMC) se reuniu com o para discutir maneiras de frear os subsídios à pesca. O acordo, firmado em Genebra, proíbe os subsídios às embarcações e operadores envolvidos na pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (KOOP, 2022), entretanto, não foi conclusivo quanto à limitar os subsídios à pesca de espécies que já encontram-se sobreexploradas. Nesse sentido, o baixo incentivo que o Brasil dá para esse setor talvez seja até um benefício a ser analisado.

 Grande cardume capturado em navio industrial.
Foto: C. Ortiz Rojas/Wikimedia Commons. Disponível em: <https://faunanews.com.br/2020/07/10/entendendo-o-problema-da-sobrepesca/>. 

A maricultura: fonte alternativa de pescado

A maricultura é uma vertente da aquicultura destinada à produção de organismos marinhos em ambiente controlado, sendo cultivados principalmente peixes, crustáceos, moluscos e algas, apresentando-se como uma alternativa à pesca e ao extrativismo marinho. A aquicultura em geral cresce em todo o mundo, tornando-se cada vez mais importante para suprir a demanda crescente do mercado de pescado sem exaurir os recursos naturais, à medida que muitas áreas de pesca encontram-se praticamente estagnadas devido ao iminente colapso dos seus estoques pesqueiros, causado principalmente pela sobrepesca (TUREK e OLIVEIRA, 2003.) 

Entretanto, é importante ressaltar que, se por um lado a maricultura supre a demanda do mercado enquanto a pesca encontra-se estagnada, por outro lado o cultivo de organismos, principalmente em tanques-rede e lanternas diretamente no mar envolve alguns riscos. Efeitos colaterais como potenciais invasões de espécies exóticas e a devastação de áreas naturais de mangue para a instalação de tanques já ocorre na produção de camarão no nordeste brasileiro (SILVA-JÚNIOR et al, 2020).

Da mesma forma, é frequente a degradação da água devido à descarga de altos níveis de matéria orgânica em águas costeiras, proveniente principalmente da nutrição dos organismos produzidos (MACHADO & SORIANO-SIERRA, 2020).

Maricultura em tanques-rede (vista aérea).
Foto: Alexey Komissarov / Pexels.

No Brasil, a área que mais se destaca é a malacocultura (produção de moluscos), predominantemente representada pela produção de ostras e mexilhões do estado de Santa Catarina, que possui a liderança nacional na produção de ostras e mexilhões devido à existência de condições marinhas favoráveis ao cultivo desses moluscos, como a existência de muitas áreas protegidas, formadas por baías, enseadas, estuários e devido à qualidade da água (SOUZA FILHO, 2003). Os moluscos bivalves têm  grande importância para a região sul do país, que é a maior produtora de ostras vieiras e mexilhões do país e a segunda da América Latina.

Também é preciso realçar a grande necessidade de mão de obra para manter a maricultura, o que pode beneficiar os pescadores locais.

 Produção de ostras.
Foto: Mark Stebnicki / Pexels.

Afinal, como consumir pescado de forma sustentável?

As diferentes fontes de pescado, sejam elas a pesca artesanal, industrial ou a aquicultura/maricultura, possuem diferentes impactos socioambientais que devem ser observados. Independentemente da modalidade de produção, devem ser adotadas boas práticas de manejo baseadas em dados, tendo em mente que o oceano não é uma fonte inesgotável de recursos. É necessário estabelecer cotas de pesca e tornar a atividade ordenada, ou seja, é preciso saber quanto está sendo pescado, de que forma e qual a situação de conservação das espécies capturadas. A sobrepesca de uma determinada espécie pode afetar todo o equilíbrio de um ambiente, e consequentemente, o futuro da própria pesca.

Além disso, é preciso evitar as modalidades de pesca com grande impacto, tais como a pesca de arrasto demersal, que raspa o fundo destruindo o substrato e carregando grande quantidade de “fauna acompanhante”, que acaba sendo capturada por acaso e na maior parte das vezes morre no processo.

De forma geral, a pesca artesanal possui menor impacto local, envolve um número maior de pescadores e pescadoras (sendo importante para geração de alimento e trabalho) e produz a maior parte do pescado brasileiro, entretanto ainda é um setor muito informal e com dados defasados, sendo necessário investir em pesquisas e monitoramento da atividade.

Por fim, a maricultura é uma alternativa interessante por não pressionar as populações naturais de pescado. Por outro lado, é necessário ser ético e contar com boas práticas de produção para evitar impactos no ambiente natural, como a poluição por compostos químicos e matéria orgânica envolvidos no cultivo.

Escrito por: Januário Campos de Amorim (sob supervisão do professor David Zee)

Referências bibliográficas

DIAS, Martin Auditoria da pesca : Brasil 2021 [livro eletrônico] : uma avaliação integrada da governança, da situação dos estoques e das pescarias / Martin Dias, Ademilson Zamboni, Letícia Canton. — 2. ed. — Brasília, DF : Oceana Brasil, 2022. PDF. Disponível em <https://brasil.oceana.org/wp-content/uploads/sites/23/Auditoria-da-Pesca-2021.pdf>. Acesso em: 21 jun. 2022.

KOOP, Fermín. OMC chega a acordo histórico para acabar com subsídios prejudiciais à pesca. Disponível em: <https://dialogochino.net/pt-br/comercio-e-investimento-pt-br/55443-omc-chega-a-acordo-historico-para-acabar-com-subsidios-prejudiciais-a-pesca/>. Acesso em: 03 out. 2022.

LOPES, Thiago Cavalcante; LOPES, Filipe de Oliveira; BASÍLIO, Guilherme Rozk. Importância histórica. Potencialidades do mar brasileiro. A mentalidade marítima – necessidade do apoio da população sobre a importância do mar. Revista Marítima Brasileira / Serviço de Documentação Geral da Marinha. Rio de Janeiro: Ministério da Marinha, 2015. Disponível em: <http://www.revistamaritima.com.br/sites/default/files/rmb-2-2015.pdf#page=201> Acesso em: 25 jun. 2022.

Machado, M., & Soriano Sierra, E. (2020). Impactos da maricultura em Santa Catarina. Agropecuária Catarinense, 27(3), 15-17. Disponível em: <https://publicacoes.epagri.sc.gov.br/rac/article/view/569>. Acesso em: 05 out. 2022.

OCEANA, 2021. Estudo revela como subsídios para pesca estimulam a sobrepesca no mundo e prejudicam nações em desenvolvimento. Disponível em: <https://brasil.oceana.org/comunicados/estudo-revela-como-subsidios-para-pesca-estimulam-sobrepesca-no/>. Acesso em: 03 out. 2022.

SILVA-JÚNIOR, João Jorge; NICACIO, Gilberto; RODRIGUES, Gilberto Gonçalves. A carcinicultura nos manguezais do nordeste brasileiro: problemáticas socioambientais nas comunidades tradicionais. Revista Movimentos Sociais e Dinâmicas Espaciais, Recife, Volume 9, 2020. DIsponível em: <https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistamseu/article/viewFile/245816/37246>. Acesso em: 05 out. 2020.

SOUZA FILHO, J.; HERZOG, D.; FRIGO, T. B. Custo de produção da ostra cultivada. Instituto Cepa/SC, Cadernos de indicadores agrícolas, Florianópolis, 2003. Disponível em: <https://docweb.epagri.sc.gov.br/website_cepa/publicacoes/Custo_Ostra.pdf> . Acesso em: 10 de maio de 2022. 

TUREK e OLIVEIRA, 2003. Sustentabilidade ambiental e maricultura. Disponível em: <http://antigo.univille.br/arquivos/1585_SustentabAmbMaricult.pdf>. Acesso em: 27 abr. 2022.

ZAMBONI, Ademilson. O mundo segue sem combater os subsídios que promovem a sobrepesca. SeaFoodBrasil, 2022. Disponível em: <https://www.seafoodbrasil.com.br/o-mundo-segue-sem-combater-os-subsidios-que-promovem-a-sobrepesca>. Acesso em: 03 out. 2022.


ZAMBONI, Ademilson. Alimentos azuis: oportunidade de melhoria com menos impacto ambiental. SeaFood Brasil, 2022. Disponível em: <https://www.seafoodbrasil.com.br/alimentos-azuis-oportunidade-de-melhoria-com-menos-impacto-ambiental>. Acesso em: 21 jun. 2022.

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