Cidades Costeiras e Segurança Hídrica

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O conflito entre as cidades litorâneas e os corpos d’água naturais do seu entorno está presente na maior parte dos aglomerados urbanos densamente ocupados.  Na mesma proporção que se deseja espelhos d’água saudáveis para o consumo e lazer se descuida do destino de suas águas servidas. Esse paradoxo promove cenários costeiros que se perdem em curto espaço de tempo acarretando em depreciação da economia local e promovendo cidades doentes. O custo financeiro e de tempo para a sua recuperação muitas vezes torna a tarefa inexequível a medida que continuamos a insistir em tecnologias obsoletas. Caso não sejamos capazes de ousar e de testar novas alternativas vamos continuar a perpetuar cenários de desesperança como é o caso da Baía de Guanabara e de inúmeros rios urbanos. Nesta perspectiva de inovação surgem novas oportunidades profissionais para aqueles que querem trabalhar na gestão dos recursos naturais visando equilibrar o benefício humano e o ambiental dentro de tecnologias que também contemplem a viabilidade econômica. Este tripé de equilíbrio entre meio ambiente, homem e economia, fundamenta-se a essência da sustentabilidade ambiental.

Inúmeros serviços ambientais são oferecidos pela Baía da Guanabara

Os rios, as baías e as praias são recursos hídricos que oferecem serviços inestimáveis e razão da valorização de muitas cidades costeiras. Espelhos d’água como fonte de matéria prima, alimentos, meios de navegação, de transporte, de lazer, prática de esportes, além de renovação e digestão dos efluentes urbanos são alguns dos inúmeros serviços ambientais oferecidos pelos corpos d’água costeiros. Para mantê-los produzindo esses serviços precisamos saber conserva-los vivos.  Uma das principais razões da desestruturação desses ecossistemas hídricos é a acessibilidade dos efluentes urbanos pelas margens dos rios e daí para esses corpos d’água costeiros. A quantidade excessiva de matéria orgânica, substâncias químicas, pesticidas, óleos e graxas produzem um caldo extremamente agressivo para a biota. O acumulo progressivo da poluição impede a recuperação desses ecossistemas pois a capacidade de digestão do meio natural foi superada em função do adensamento demográfico e aumento do consumo urbano. Nesses cenários a principal estratégia é realizar um pré-tratamento dos resíduos urbanos mitigando a sua toxicidade para compensar o volume liberado para o meio ambiente.

Poluição Canal do Cunha, Baía da Guanabara. (Custódio Coimbra/Agência O Globo)

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A segurança hídrica das cidades costeiras depende de novas tecnologias de tratamento e de remediação dos corpos hídricos naturais pois neles se extraem a matéria prima para prover de água tratada para o consumo humano. No exemplo do Rio de Janeiro é explicito a cronologia da degradação dos recursos hídricos que se inicia em 1992 quando as primeiras manchas da maré vermelha apareceram nas praias cariocas. A crescente concentração de substâncias orgânicas, somada com o calor e o longo período de insolação (luminosidade) durante o verão propiciaram a floração de algas vermelhas e marrons que coloriram as praias. Essas algas produzem substâncias tóxicas que matam moluscos e peixes além de ser uma ameaça à saúde pública. Concomitantemente o, o monitoramento da qualidade d’água pela colimetria mostrava uma constância e uma piora progressiva promovendo a fixação deste cenário de degradação litorânea na opinião pública afetando a economia do turismo.

Maré Vermelha nas praias. (Todo Estudo)

Já na década de 2000 a questão era a proliferação de algas cianofíceas (verde azuladas) e as gigogas nas lagoas da Baixada de Jacarepaguá. As gigogas eram então lançadas nas praias devido ao extravasamento das águas das chuvas intensas de março. Essas macrófitas em contato com as águas salgadas, morriam e apodreciam nas praias da Barra da Tijuca e São Conrado. Por outro lado os resíduos sólidos (lixo) trazidos pelos rios se depositavam no fundo das baías (Guanabara e Sepetiba) assoreando e impedindo a renovação das águas pelo mar através da maré. A redução da capacidade de renovação debilitava a possibilidade de reprodução e proliferação da vida marinha que utilizavam as lagunas e baías como um berçário natural. Mais um terrível impacto para a vida nos ecossistemas hídricos costeiros.

Assoreamento da Lagoa da Tijuca no complexo lagunar da Baixada de Jacarepaguá (RA Notícias)

Mais recentemente, na década de 2010, percebemos que a proliferação de algas nocivas atinge os pontos de captação de água para a ETA Guandu. O que era motivo de orgulho, como a maior estação de produção de água potável do mundo, poderia se tornar a maior armadilha para a garantia de fornecimento de água para a região metropolitana do Rio de Janeiro. A ETA Guandu é responsável por cerca de oitenta por cento do abastecimento de água potável da região metropolitana do Rio de Janeiro atendendo cidades como Rio de Janeiro, Caxias, Nova Iguaçu, Nilópolis, Belford Roxo, São João de Meriti, Itaguaí e Queimados. Cerca de 9 milhões de pessoas dependem diretamente da água produzida pela ETA Guandu. A geosmina é um indicador percebido pela população consumidora da gradual perda da qualidade dágua fornecida. A segurança hídrica do Rio de Janeiro já ascendeu a luz amarela do risco de colapso há pelo menos duas décadas.

Visível contaminação das águas captadas da ETA Guandu. Foto Comitê do Guandu (O Eco)

Medidas preventivas de longo prazo e principalmente mitigadoras de curto prazo precisam ser inovadas e aplicadas emergencialmente para garantir a segurança hídrica dos grandes aglomerados urbanos. Dentre as medidas de curto prazo já testada e comprovada em termos de prazo e de tecnologia, citam-se as estações de tratamento de rios implantadas em cidades populosas como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Essas tem capacidade de retirar o lixo flutuante, o lodo poluído que escorrega pelo fundo, a matéria orgânica presente na coluna d’água e mesmo reduzir a carga de microrganismos patógenos se necessário for. A dura realidade é que as águas pluviais que lavam as cidades ficam contaminadas de produtos químicos, lixo e esgotos urbanos que são arrastadas para os rios que por sua vez concentram a poluição nas lagoas e baías costeiras, provocando seu sufocamento progressivo e silencioso.

Estação de Tratamento no Arroio Fundo, Baixada de Jacarepaguá-RJ (Flotflux)

Tomando-se como exemplo o caso da cidade do Rio de Janeiro, com a Baía de Guanabara, a Praia de Copacabana e o Rio Carioca que são sistemas naturais que prestam valiosos serviços ambientais, a manutenção representa ganhos econômicos bem superiores aos investimentos para a sua preservação. É uma questão de inteligência e de visão integrada de longo prazo que os gestores urbanos devem prestar atenção. Trata-se de um exemplo a ser considerado e replicado por inúmeras cidades costeiras espalhadas ao longo do litoral brasileiro.

Vista aérea da entrada da Baía da Guanabara (Wikipédia)

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