FAZENDAS MARINHAS: CUIDADOS E RISCOS

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A aquacultura é uma prática milenar iniciada com os japoneses, egípcios e povos do Havaí. Nos seus primórdios o cultivo de ostras e algas era realizado em pequena escala aproveitando-se dos serviços ambientais que o mar oferecia. Uma vez respeitando-se os limites naturais dos ecossistemas onde estavam inseridos e sem abusar dos procedimentos artificiais para aumentar a escala de produção, os recursos gerados eram duradouros e atendiam as expectativas das pequenas comunidades de pescadores.

Nos dias atuais, com a população humana ultrapassando a marca dos 7,5 bilhões de habitantes a demanda por recursos naturais (alimento, matéria prima e energia) tem sido muito acima da capacidade de reposição retirados de vários locais do planeta. O oceano, particularmente, tem sofrido muitas agressões agudas e crescentes devido à ânsia do lucro fácil sem a preocupação dos cuidados necessários para manter a natureza viva e produtiva. Dessa forma muitos empreendimentos só consideram os custos relativos à produção sem incorporar os valores necessários para a manutenção e conservação dos ecossistemas onde as fazendas marinhas estão inseridas. Não considerar o custo ambiental inerente em qualquer empreendimento que dependa dos serviços ambientais é matar em curto prazo a “galinha dos ovos de ouro”. Depois da natureza destruída a sua recuperação, quando possível, requer um tempo muito além da memória e da capacidade do ser humano, inviabilizando assim a exequibilidade.

As fazendas marinhas tem uma importante função de aplacar, com proteína marinha, a fome do planeta e também na produção de fármacos para a saúde humana. As algas, moluscos, peixes e crustáceos são alguns dos elementos de cultivo em fazendas marinhas mundo afora. Ao atender parte da demanda humana com pescado produzido em cativeiro estes empreendimentos ajudam a minimizar o problema da pesca predatória em áreas costeiras e principalmente a pesca excessiva em alto mar mitigando assim o esgotamento dos estoques pesqueiros naturais. Este tipo de atividade também potencializa a economia das áreas litorâneas pois aumenta a demanda por mão de obra provenientes de comunidades carentes e desassistidas que vivem do mar. Da mesma forma estimula a pesquisa de conhecimento para melhor integrar o desenvolvimento humano em áreas marinhas potencializando e preservando o uso dos recursos naturais.

Fonte: https://marsemfim.com.br/criacao-de-peixes-em-cativeiro/

Torna-se questão de responsabilidade ambiental e social considerar os custos ambientais para manter o equilíbrio natural dos ecossistemas onde estão inseridas as fazendas marinhas. O risco de haver a perda destes serviços e mesmo prejuízos irrecuperáveis do meio ambiente é real e efetivo, caso não se respeite os investimentos e cuidados necessários.  Se o empreendedor quiser perpetuar seus ganhos será fundamental incorporar os custos da prevenção e da mitigação dos impactos ambientais decorrentes da atividade. Conseguir identificar e caracterizar as possíveis cadeias de efeitos colaterais negativos bem como impedir a sua progressão, trata-se de uma questão de inteligência além de visão de futuro para seu negócio prosperar. A capacidade de incorporar amigavelmente a produtividade das fazendas marinhas no ciclo natural local em uma relação simbiótica representa aproveitar de maneira equilibrada os serviços ambientais oferecidos.

Cultivo de peixes em cativeiro
Fonte: http://doctoradoacuicultura.uach.cl/admision-2021-doctorado-en-ciencias-de-la-acuicultura-uach-realiza-ultimo-llamado-para-su-proceso-de-postulaciones/

Quais seriam então as principais preocupações ambientais e sociais decorrentes da atividade de produção de pescado recurso marinhos em cativeiro? A seguir estão descritos alguns dos problemas encontrados na produção das fazendas marinhas:

Cultivo de mexilhões em plataformas flutuantes
Fonte: https://jardimanimal.com.br/o-mexilhao-e-as-suas-tecnicas-de-criacao/
  1. A alta escala e concentração de indivíduos confinados exige o lançamento maciço de alimentos no interior de cercados vazados, onde as correntezas espalham a pluma de nutrientes para locais diversos promovendo a eutrofização (contaminação por matéria orgânica) das águas do entorno. Como efeito colateral da matéria orgânica que funciona como adubo, acontece à floração exagerada de algas onde algumas delas podem inclusive produzir toxinas como é o caso do fenômeno da maré vermelha.
  2. A alta densidade do pescado confinado gera a concentração de fezes que se depositam no leito submarino. O excesso produz uma decomposição deficiente e anormal, desequilibrando o processo de digestão promovido pela natureza.
  3. O confinamento exagerado de indivíduos favorece o surgimento de doenças oportunistas e seu espalhamento pode inclusive disseminar para o meio exterior do confinamento, o que impacta a fauna autóctone.
  4. Para combater as doenças disseminadas em cativeiros densamente ocupados ocorre o lançamento de doses concentradas de pesticidas e fármacos cuja composição química pode promover impactos nas águas naturais do entorno.
  5. A fuga em massa de indivíduos acontece com certa frequência. Existe o risco de colapso ou mesmo de rompimento das células de confinamento devido a fenômenos oceanográficos extremos e mesmo deficiência na manutenção das estruturas de confinamento.  No caso de peixes e crustáceos que tem locomoção própria, muitos deles não naturais da região, o potencial risco de desequilíbrio na cadeia alimentar do sistema natural local é uma possibilidade real. Tal risco pode inclusive afetar a pesca artesanal de muitas comunidades de pescadores circunvizinhas.
  6. Contudo nem tudo é negativo. No caso da cultura de moluscos e algas, esta tem uma pegada ecológica bem maior. Em geral é feita com mão de obra de pescadores locais, em escala muito menor do que a de peixes, e mais amigável com a natureza promovendo processos de simbiose mais explícitos. Talvez o maior cuidado seja para situações quando ocorre o cultivo de espécies exóticas não existentes na área de cultivo. Caso ocorra uma disseminação no ambiente do entorno pode provocar desequilíbrios ambientais desconhecidos.
Salmão de viveiro infestado de piolhos do mar.
Fonte: Foto Captura de tela de ‘Panorama: Salmon Fishing Exposed’, BBC

De qualquer maneira a maricultura não deixa de ser um importante movimento do homem em direção do desenvolvimento sustentável de ecossistemas costeiros. Além de promover a diminuição da pressão humana sobre espécies selvagens que já se encontram bastante estressadas, reduz-se a perda de ecossistemas naturais. Trata-se de outro tipo de uso do espaço costeiro, mais natural do que a agressiva expansão urbana, pois consegue preservar a identidade funcional e ambiental de muitos trechos do litoral com usos mais amigáveis. Contudo é importante que se continue a aportar esforços e investimentos para que o homem conheça e aprenda a conviver com a natureza do seu entorno através da pesquisa e da ciência.

David Zee

Bibliografia

Danson,T.; D’Orso,M.. OCEANA: our endangered Oceans and what we can do to save them. Rodale, 2011. 304p.

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