Calma, o coronavírus não afeta os oceanos diretamente, mas esta pandemia forçou diversos países a optarem pelo isolamento social da população para conter a aceleração da contaminação. Além de afetar a economia global, outro fator chamou a atenção da sociedade: a diminuição da poluição atmosférica em plena pandemia de COVID-19.
Diminuição das emissões de CO2 e outros poluentes
Dita como a origem da pandemia em 2019, a China é um país de alto desenvolvimento econômico e poderá se tornar, dentro de algumas décadas, a principal força na economia global, capaz de superar os países mais desenvolvidos. Contudo, é também o país que mais emite dióxido de carbono (CO2) no mundo de acordo com as últimas estimativas do Global Carbon Project para 2019.
Segundo as pesquisas do Global Carbon Project, as emissões globais de CO2 na atmosfera crescem a cada ano, porém, diversas regiões do mundo têm estado com o ar mais limpo neste período de isolamento social. Tal fato pode estar relacionado com a diminuição das atividades humanas: reduzido tráfego de veículos, aeronaves e atividades industriais.
Na Oceanografia Química, estudamos um termo chamado aerossol, que consiste no conjunto de partículas como cinzas vulcânicas, fuligem, poeiras, sal marinho e outros presentes na atmosfera. A exposição a longo prazo dos seres humanos aos aerossóis antropogênicos (atividades industriais e queima de combustíveis fósseis, por exemplo) aumenta o risco de doenças cardiovasculares e respiratórias, sendo um dos principais riscos globais à saúde. O efeito da poluição nos humanos é tão perigoso que causa excesso significativo de mortalidade e diminui a expectativa de vida em até 3 anos, segundo o artigo publicado na Cardiovascular Research.
O economista de recursos ambientais da Universidade de Stanford, Marshall Burke, produziu um estudo através de alguns cálculos detalhados sobre a recente queda da poluição do ar nas regiões isoladas devido ao COVID-19 utilizando dados de sensores do governo dos EUA em quatro cidades chinesas para medir os níveis de material particulado com diâmetro inferior a 2,5 µm (PM2,5) que, juntamente com o gás ozônio (O3), são considerados a principal causa de morte por poluição do ar. Burke acredita que a diminuição da emissão de ozônio e partículas poluentes podem salvar vidas:
“Dada a enorme quantidade de evidências de que respirar o ar sujo contribui fortemente para a mortalidade prematura, uma pergunta natural – embora estranha – é se as vidas salvas pela redução na poluição causada pela interrupção nas atividades econômicas associadas ao COVID-19 excedem o número de mortos pelo vírus em si… Mesmo sob suposições muito conservadoras, acho que a resposta é um claro ‘sim’.”, escreve Burke.
Assim, surge outra questão: será que a diminuição da poluição atmosférica e de outros poluentes causados pela redução da atividade humana também pode ajudar salvar a vida dos oceanos? A resposta também é um “claro sim”, pois os oceanos interagem o tempo todo com a atmosfera de diversas formas: físicas, biológicas e químicas. Não podemos esquecer que 70% da superfície do nosso planeta corresponde aos oceanos!
O CO2 atmosférico passa por diversas reações químicas quando é dissolvido na superfície dos oceanos e, em excesso, leva à diminuição do pH dos oceanos tornando-os mais ácidos. A acidificação muda o equilíbrio químico da água do mar impactando negativamente na vida marinha. Temos um post explicando como o excesso de CO2 chega aos oceanos e os problemas causados pela acidificação, se quiser saber mais, clique aqui.
Estudos comprovam que o oceano é um dos principais sumidouros de CO2 emitido pelo homem (Sabine et al., 2004), ou seja, cerca de um terço do CO2 emitido pela queima de combustíveis fósseis desde o início da era industrial (a partir do final do séc. XVIII) já foi absorvido pelos oceanos (Friedlingstein et al., 2019). No site do Global Carbon Program você encontra diversos mapas e infográficos super interessantes sobre as emissões de carbono no mundo todo. Clique aqui para acessar.
Os efeitos dessas mudanças da água do mar podem ser facilmente notados através de organismos bioindicadores de poluição, como os corais. A relação simbiótica (associação entre duas espécies ambas beneficiadas) entre os corais e as algas unicelulares é ameaçada pelas mudanças ambientais, como o aumento da temperatura da água do mar, pouca incidência de luz (que pode acontecer devido ao aporte de material particulado na água) e poluição (acidificação), causando o branqueamento dos corais. Este efeito pode ser fatal.
Futuro
De fato, não podemos prever o que acontecerá com os oceanos. É claro que não podemos comparar este momento de diminuição atual das atividades com todos esses anos de intensa industrialização, mas podemos dizer que se as emissões, tanto de aerossóis antropogênicos e outras formas de poluição como de CO2, forem contidas, não só neste momento de isolamento parcial mundial, mas numa escala maior de tempo, a resposta será positiva.
Até quando a natureza vai suportar as consequências deste modelo econômico desenfreado, onde tanto a saúde pública quanto a ambiental não são prioridades?
Não podemos negar que o COVID-19 já está propiciando diversas reflexões para a sociedade de um modo geral.
Que tal abrirmos uma discussão: você consegue citar outros tipos de poluentes que podem ser reduzidos devido ao isolamento da população e que impactam de forma negativa os oceanos? Deixe suas ideias e reflexões aqui nos comentários ou nas nossas redes sociais! Afinal, estamos todos juntos e misturados!
Escrito por Roberta Bonturi
Revisado pelos professores David Zee e Letícia Cotrim
Professores, obrigada pelas dicas e pela paciência! <3
Referências:
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BRANDÃO, D. B. Estimativa do fluxo de CO2 no oceano atlântico utilizando dados de navios e satélite. 2017. 68 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Marinhas Tropicais) – Instituto de Ciências do Mar, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2017.
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Este posto nos faz refletir mais uma vez sobre o tripé desenvolvimento x capitalismo x vida. Muito interessante!! Parabéns pela percepção!!!