Ressacas: Retratos da Urgência pela Adequação das Cidades

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Um dos principais efeitos instantâneos das Mudanças Climáticas são as ressacas do litoral Sul e Sudeste brasileiro. As ressacas estão tendendo a ser mais frequentes e mais intensas devido ao cenário de incidência das mesmas ao longo de uma orla costeira com uma sucessão de cidades costeiras densamente ocupadas. Observa-se uma alteração da rota preferencial de avanço das frentes frias nas ultimas décadas (2000-2019) com uma sensível aproximação e paralelismo da trajetória ao longo da linha costeira da região sul e sudeste brasileira. Isto faz com que a energia dos ventos transferida para o mar esteja concentrada próxima do litoral na forma de ondas que se propagam e se dissipam provocando acentuada erosão da orla costeira.

Vamos aproveitar a ressaca que se iniciou no dia 04/abril/2020 no Rio de Janeiro para mostrar um retrato dos efeitos colaterais do aumento da vulnerabilidade das praias, espremidas entre a força do mar e a pressão de ocupação da orla urbana.

Ressaca na praia do Leblon – RJ (dia 05/04/2020)

A conjugação da maré astronômica de sizígia (Lua e Sol) com a maré meteorológica (ventos empurrando água do mar contra o litoral) provoca uma sobrelevação do nível do mar dando acessibilidade as ondas de mais de 3 metros de altura formadas pela ressaca que espraiam em locais que antes normalmente não alcançavam (av. Beira Mar).

Trem de ondas sucessivas provocando erosão na praia da Barra da Tijuca-RJ (05/04/2020)

Este espraiamento maior leva areia, água salgada e lixo para o calçadão e prejudica a funcionabilidade urbana. Isto sem falar das praias que ficam inaproveitáveis pela falta de limpeza e contaminação. Nestes momentos a chuva lava as sujidades urbanas e polui o mar com esgotos e resíduos. A falta de saneamento básico e coleta de lixo nas manchas urbanas desassistidas pelo serviço público bem como a contaminação da galeria de águas pluviais são mais evidentes nestas ocasiões.

Lixo trazido pela ressaca, Praia da Barra – RJ. (05/04/2020)
Diversidade de resíduos orgânicos e plásticos das cidades. Praia da Barra (05/04/2020)

A falta de tratamento técnico adequado no dimensionamento dos equipamentos e edificações na orla marítima já tem cobrado seu preço com perdas materiais, financeiras e de vidas humanas. O colapso de estruturas costeiras e do mobiliário urbano é facilmente identificado nestes eventos extremos. A própria ocupação indevida da faixa de praia com calçadas e rampas de acesso muito próximos da linha d’água podem ser reclamados pelo mar provocando prejuízos desnecessários.

Estrutura de acesso destruída pela Ressaca. Quebra-mar da Joatinga, Barra da Tijuca – RJ. (05/04/2020)
Detalhe da retirada da areia debaixo da estrutura causando seu colapso. Quebra-mar da Joatinga, Barra da Tijuca – RJ. (05/04/2020)

A ocupação de dunas costeiras e a retirada de vegetação de restinga de forma equivocada cobra seu imposto ambiental. A natureza reclama a areia que foi acumulada e reservada para dissipar a energia das ressacas nestes momentos. Da mesma forma a trama das raízes da vegetação de praia ajuda a reter a areia contra as perdas provocadas pela erosão dos ventos e mesmo dar mais consistência ao solo contra o desmanche das águas. Estes são alguns dos serviços que a natureza oferece para proteger as praias porem o homem insiste em ignorar.

A vegetação de restinga confere maior resiliência para as praias contra as ressacas. Praia da Barra da Tijuca – RJ. (05/04/2020)
A cobertura vegetal impede a erosão por ventos. A trama das raízes fornece mais resistência contra a desagregação pelas ondas. Praia da Barra da Tijuca – RJ. (05/04/2020)

Ultimamente as ressacas produzem ondas sucessivas, com pouco intervalo e espaçamento entre elas, o que acelera o processo de erosão das praias. Neste momento, evitar a perda de vegetação de praia por pisoteio, lançamento indevido de lixo, queimadas e mesmo retirada para instalação de quadras de vôlei devem ser evitados. Neste sentido a sinalização e a delimitação da área verde natural por cercamento é uma medida que educa e que traz a participação da sociedade usuária. A vegetação da praia somada com a preservação das dunas, evitando-se construir sobre elas, promove uma praia mais resiliente contra o ataque das ressacas que tendem a piorar.

Edificações construídas sobre dunas e sem vegetação de restinga promovem erosão das praias e risco de colapso. Praia da Barra da Tijuca – RJ. (05/04/2020)
Delimitar e proteger a vegetação de praia e as dunas representa uma praia mais resistente às ressacas. Praia da Barra da Tijuca – RJ. (05/04/2020)

Escrito por: David Zee

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