Um dia com a Oceanografia Química

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É difícil pensar em descrever o dia-a-dia como professora e pesquisadora em Oceanografia Química na UERJ. A rotina é cheia de surpresas!

Mas antes de tudo, vamos lá nos apresentar: sou Letícia Cotrim da Cunha, formada aqui na Oceanografia da UERJ na primeira metade da década de 1990. Fiz mestrado em Geoquímica na UFF logo em seguida à graduação, e consegui bolsa de doutorado pleno na França. Trabalhei com Geoquímica Orgânica em uma pequena bacia de drenagem, da nascente nos Pirineus até o estuário no sul da França, e em 2000 obtive meu diploma de doutor em Oceanologia pela Universidade de Perpignan Via Domitia (UPVD). Depois disso ainda trabalhei como assistente de ensino e pesquisa (tipo professor substituto) por mais 2 anos na UPVD.

Coletando amostra de água (AFA, provavelmente, pelo número da Niskin e pelo embaçado da garrafa) para análise de alcalinidade total e carbono inorgânico dissolvido, a bordo do FS Maria S. Merian (Alemanha), durante a campanha SAMOC/AtlantOS ao longo do paralelo 34.5°S, saindo da Cidade do Cabo e chegando em Montevidéu. CrÉDITO DA FOTO: S. Speich.

No final de 2002 consegui uma bolsa europeia de posdoc do programa Marie-Curie para trabalhar no Max-Planck-Institute for Biogeochemistry (MPI-BGC), em Jena, na Alemanha. Foi bem interessante passar da bancada e trabalho de campo para a área de modelagem biogeoquímica, puramente teórica. Precisei estudar muita coisa sobre processos oceanográficos em larga escala (e.g. circulação, interação oceano-atmosfera) novamente, e de quebra aprendi 2 idiomas: alemão e FORTRAN.

Laboratório de bordo para análise de alcalinidade total e carbono inorgânico dissolvido, a bordo do FS Maria S. Merian (Alemanha), durante a campanha SAMOC/AtlantOS ao longo do paralelo 34.5°S, saindo da Cidade do Cabo e chegando em Montevidéu. Foto: A. Lebehot.

Em 2006 fui trabalhar no GEOMAR, um dos institutos de Oceanografia mais antigos da Alemanha, em Kiel. Meu papel na equipe de Oceanografia Química do GEOMAR era fazer a coordenação científica do projeto piloto do atual Observatório Oceanográfico de Cabo Verde (CVOO) e da série temporal de dados oceanográficos. Hoje em dia na cidade do Mindelo há uma estrutura da laboratórios e apoio à pesquisa oceanográfica muito bacana, financiada pelos governos alemão e caboverdiano.

Tirei licença maternidade de 1 ano entre o final de 2008 e 2009 (é direito trabalhista na Alemanha, para todos os alemães e estrangeiros em situação regular) e finalmente em 2010 voltei a trabalhar, dessa vez na Universidade de Bremen, também na Alemanha. Eu era assistente de pesquisa no programa de graduação GLOMAR, do centro de excelência MARUM, e tinha como papel principal a tutoria dos alunos de doutorado: acompanhamento de teses, cursos condensados, relatoria de projetos de pesquisa dos alunos.

No final de 2011 fui aprovada no concurso para a vaga em Oceanografia Química na FAOC-UERJ, e assumi em junho de 2012. Desde o trabalho no MPI-BGC me interessei pelos efeitos das mudanças climáticas nos oceanos, e com a estrutura da FAOC vi que poderíamos ter uma linha de pesquisa voltada para esta área.

Integrantes das equipes de Oceanografia Química e Física durante a campanha PIRATAXVII (UERJ, UFF e UFC). CRÉDITO DA FOTO: Leticia (foi selfie 😀 )

Hoje colaboro com projetos com a FURG e USP, e coordeno 2 projetos, que ainda estão em implantação, de medidas contínuas de CO2 na Amazônia Azul (não vou entrar nos detalhes de problemas de financiamento, ok?). Integro o comitê científico nacional e internacional do projeto PIRATA (Prediction and Moored Array in the Tropical Atlantic, EUA, França e Brasil), e participo de 2 projetos internacionais, o EuroSEA (coordenação no GEOMAR, com 55 parceiros europeus, canadenses e brasileiros) e o C-SCOPE (a ser implantado em 2021), também com coordenação no GEOMAR. E por último, desde 2018 integro o grupo de autores que está preparando o 6º relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), que deve ser lançado em 2021.

Voltando à rotina pré-pandemia, trabalho muito na minha sala, revisando bibliografia, preparando aulas, corrigindo trabalhos dos alunos de graduação e pós, escrevendo projetos e colaborando com artigos, conversando com alunos. Dou aulas de Oceanografia Química II, que é uma matéria que descreve os processos e interações químicas dos oceanos com outros compartimentos, como o continente, a atmosfera, a biosfera e o sedimento. E na pós ensino os alunos a trabalharem com o programa aberto Ocean Data View, uma ferramenta ótima para visualização e organização de dados oceanográficos, tanto costeiros quanto de oceano aberto, de testemunhos, coluna d’água e interface oceano-atmosfera. Comecei a usar esse software na Alemanha e nunca mais parei.

Grupo de trabalho do projeto BICA (UFF-UERJ-UFRJ) no campo, Biomonitoramento Contínuo de Águas na Baía de Guanabara (Ilha do Fundão, Praia do Catalão), parte do PELD-Guanabara.

Eu gosto muito de ficar na bancada fazendo análises, mas as tarefas acima não me deixam muito tempo. Trabalhamos em equipe, e posso dizer que na Ocn Química somos muito unidos e temos um ótimo time entre a Geoquímica Orgânica e a Oceanografia Química. Todos se ajudam o tempo todo no laboratório, com muita organização.

E mais que ficar na bancada, eu gosto mesmo é de trabalhar embarcada. Poucas coisas me deixam tão feliz! Não é fácil. É bem duro para falar a verdade, pouco espaço, pouco descanso, pouca estabilidade (real boats rock!), longe de casa, muita responsabilidade com o trabalho e segurança, mas também muito gratificante ver o quanto os alunos aprendem e apreciam a experiência a bordo. Depois que ingressei na UERJ tive oportunidades fantásticas, e não sei se as teria em outra instituição. É também um dos resultados do trabalho de equipe, como falei acima.

Outro aspecto importante na vida de um professor/pesquisador é a participação em congressos (seminários workshops, conferências etc.). É importante estar em contato com outros colegas de outras instituições no mesmo país e fora dele, conhecer o que está sendo feito na sua linha de pesquisa, aproveitar oportunidades para criar redes de pesquisa e cooperações científicas. Em se tratando de Oceanografia, muitas vezes viajamos para lugares incríveis, mas sobra muito pouco tempo para aproveitá-los.

Por último, queria falar um pouco do grupo de trabalho ‘Agenda 2030 na UERJ’. Somos, inicialmente 12 professores/pesquisadores de várias unidades da UERJ: IMS, IBRAG, IME, FAOC, IQ, DCI, Artes, IESP, Direito, e nos reunimos para promover dentro da universidade a discussão da Agenda 2030 e os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) lançados em 2015 pena Organização das Nações Unidas. Sabemos que a UERJ tem enorme potencial para lançar ideias que vão ajudar a sociedade a atingir os ODS. Fizemos um evento de um dia em outubro do ano passado, com participação da ABC, Fiocruz, Museu do Amanhã, Centro de Informação da ONU-Brasil, UFRJ, UnB e UERJ. Para esse ano, apesar da situação, estamos terminando o site oficial do grupo, e esperamos o lançamento do e-book relativo ao evento de 2019 via Eduerj.

Evento no centro de Informação da ONU-Brasil no Rio (UNIC-RIO) sobre os resultados da COP25: Reflexões e desafios para o futuro. CRÉDITO DA FOTO: J. Berwanger/UNIC-RIO

Gostou da história da Letícia? Então fique ligado que teremos muitos oceanógrafos compartilhando suas histórias com a gente!

Escrito por Letícia Cotrim da Cunha

Editado por Gabriela Brandão B. Lima

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