FARMÁCIA DO MAR: ORGANISMOS MARINHOS COMO FONTE DE MEDICAMENTOS

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Os oceanos desempenham um papel importantíssimo na vida de toda sociedade. São inúmeros os recursos vivos e não vivos que eles oferecem à humanidade. Podemos perceber o mar ao pensarmos em navegação, alimentação, turismo e lazer, regulação climática e produção de oxigênio. Mas você já imaginou que os oceanos também estão presentes na indústria farmacêutica?

Primeiro, é preciso saber que recursos vivos são os organismos como peixes, crustáceos, moluscos, esponjas e algas e suas substâncias. Algumas dessas espécies podem servir de fonte para criação de diversos medicamentos. Assim, devido à enorme diversidade de seres vivos nos oceanos, estes possuem um grande potencial biotecnológico e são muito importantes e procurados pela indústria farmacêutica. Vamos apresentar alguns exemplos emblemáticos de organismos que são usados para produção de fármacos:

Os oceanos possuem grande potencial biotecnológico.
Imagem: https://meioambiente.culturamix.com/ecologia/fauna/comunidades-marinhas-plancton-necton-e-bentons

ESPONJAS DO MAR

As esponjas são invertebrados do filo Porifera e habitam uma diversidade de ambientes marinhos e alguns de água doce. São seres filtradores e sésseis (vivem fixados ao substrato) com uma morfologia simples. Para a indústria farmacêutica, esses animais são importantes por produzirem diversos metabólitos secundários, ou seja, compostos resultantes do seu metabolismo.

As esponjas marinhas são seres sésseis e filtradores. 
Imagem: https://www.microbiologia.ufrj.br

Essas substâncias são utilizadas como fonte de medicamentos para tratamento da AIDS, de diversos tipos de câncer e de outras graves doenças bacterianas e virais. A espécie Tectitethya crypta, encontrada no Caribe, foi a primeira esponja a ser usada para fins médicos e seus estudos deram sequência a inúmeros outros em organismos marinhos nessa área. Essa espécie produz a espongotimidina e a espongouridina, substâncias cujos derivados sintéticos são anticancerígenos e antivirais e se fazem essenciais na produção do medicamento básico contra o vírus HIV. Em outras palavras, as substâncias produzidas por essa esponja foram estudadas e cientistas produziram sintéticos similares que originaram tal remédio.

A espécie Tectitethya crypta.
Imagem: Sven Zea/https://spongeguide.uncw.edu/speciesinfo.php?species=76

Pesquisas indicam que algumas espécies de esponjas que existem apenas no Brasil apresentam compostos com potencial antibiótico e antitumoral. Tais estudos podem chegar a resultados positivos, significando assim mais avanços na área de fármacos marinhos, mostrando a importância do mar brasileiro. 

CARACÓIS MARINHOS 

Os caracóis ou caramujos marinhos são moluscos gastrópodes, seres de corpo viscoso e mole, que possuem uma concha e habitam tipos variados de habitats marinhos. A espécie Conus magus é uma importante fonte de medicamentos, pois produz um veneno – utilizado para paralisar suas presas – que é constituído por diversos compostos conhecidos como conotoxinas. Sua aplicação na indústria farmacológica está na fabricação de remédios através do isolamento dessas substâncias, que apresentam um elevado potencial analgésico e podem ser usadas em tratamentos para alívio da dor. 

Conus magus .
Imagem: https://www.biodiversity4all.org/taxa/369824-Conus-magus/browse_photos

Essas toxinas demonstram-se mais eficazes que a morfina na atenuação de fortes dores, além de não causarem dependência no indivíduo. Logo, apesar da natureza nociva desse veneno para os humanos, seus compostos isolados são altamente notáveis para produção de fármacos que amenizam a dor, sendo uma das primeiras substâncias  proveniente de um ser marinho a serem usadas com a finalidade terapêutica.

CARANGUEJO-FERRADURA

O caranguejo-ferradura trata-se de um artrópode do grupo dos quelicerados, mesmo de aranhas e escorpiões, sendo mais próximos destes que dos caranguejos. Esse animal é um dos mais antigos seres vivos existentes e exerce um papel fundamental para a indústria farmacológica. Seu sangue azul é hipersensível à ação bacteriana, servindo como a única fonte natural da substância LAL, que detecta a presença de uma bactéria chamada endotoxina. Tal contaminante pode gerar consequências fatais caso infecte qualquer instrumento médico que venha a entrar no corpo ou corrente sanguínea humana. Por isso, as empresas farmacêuticas dependem, e muito, do sangue do caranguejo-ferradura para inspecionar a esterilidade de medicamentos, vacinas, equipamentos médicos, dispositivos implantados e próteses e produtos básicos como soros. Esse artrópode foi utilizado também em testes de vacinas contra a COVID-19.

O sangue do caranguejo-ferradura é fundamental 
para indústria farmacêutica. Imagem: Getty Images/ BBC

Na indústria de fármacos, os caranguejos-ferradura são recolhidos em massa, têm parte de seu sangue retirado e depois são devolvidos aos oceanos. Com o passar dos anos, porém, as pesquisas demonstram um cenário crescentemente preocupante em relação a essa prática farmacêutica. Cerca de 30% desses animais, que são restabelecidos no mar depois da extração do seu sangue, acabam morrendo e a procriação fica mais difícil para as fêmeas. Isso ameaça a integridade e sobrevivência das espécies de caranguejos-ferradura, além de prejudicar o ecossistema no qual eles habitam. 

Esses animais são devolvidos ao mar, mas vários acabam morrendo. 
Imagem: https://br.pinterest.com/pin/455708056025016571/

Uma opção sintética similar à substância utilizada do sangue desse animal foi recusada por algumas entidades farmacêuticas, mantendo a grande exploração de tal ser vivo. A humanidade tornou-se tão dependente do uso dos caranguejos-ferradura – mesmo não sendo de conhecimento popular – e de tantos outros animais para fins médicos, mas, por muitas vezes, se faz ignorante à preservação de toda a biodiversidade. 

As empresas de fármacos são muito dependentes dos caranguejos-ferradura.
 Imagem: Getty Images/BBC

Percebemos, então, como a biodiversidade marinha carrega um enorme potencial de uso para produção de antivirais, analgésicos, antibacterianos, anticancerígenos, etc. Portanto, as pesquisas e estudos nessa área são cada vez mais promissores, trazendo inúmeros benefícios para a sociedade, como já é feito na indústria farmacêutica. Entretanto, é preciso também que achemos o equilíbrio e não haja retirada excessiva desses recursos vivos de seu meio. A humanidade deve sempre lembrar que nossa própria sobrevivência depende da preservação dos ecossistemas, sejam marinhos ou terrestres. Não há sucesso no progresso se acompanhado da degradação desenfreada dos oceanos e da natureza em geral. 

Escrito por: Laiza Lacerda Motta

Referências Bibliográficas:

Imagem da capa disponível em: https://o2labs.com.br/category/futuro-da-medicina/

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