A Maior Migração de Animais ocorre nos Oceanos

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A maior migração animal na Terra pode ser algo que você provavelmente nunca ouviu falar e poucos testemunharam: legiões de pequenas criaturas marinhas subindo à superfície do oceano todas as noites para se alimentar, depois submergindo de volta nas águas profundas e escuras ao amanhecer. A principal razão para essa migração é que algumas criaturas marinhas evitam predadores visuais que as consumiriam perto da superfície à luz do dia.

Modelo conceitual clássico de migração vertical diária baseado em Zaret & Suffern (1976).
Fonte: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/brv.12715 

O fenômeno é conhecido como migração vertical diária (MVD) e representa uma parte crítica no ciclo global de carbono (https://pt.wikipedia.org/wiki/Ciclo_do_carbono). Pequenos animais marinhos – de copépodes a lulas e krills – realizam todos os dias essa migração. Genericamente denominados de zooplâncton, esses animais representam um grupo bastante diversificado, que podem variar em tamanho de menos de um milímetro de comprimento a exemplares maiores, como lulas e águas-vivas. 

Criaturas minúsculas, como pequenas lulas, peixes e krill, fazem parte do padrão de migração vertical maciça no oceano.
Fonte: https://knowablemagazine.org/article/living-world/2021/up-downs-great-vertical-migration 

O efeito cumulativo da migração vertical diária no clima da Terra é significativo. Durante o dia, o fitoplâncton oceânico (https://olharoceanografico.com/o-que-sao-os-fitoplanctons/) faz a fotossíntese e, no processo, absorve quantidades consideráveis de dióxido de carbono, contribuindo para a capacidade do oceano de absorver o gás de efeito estufa da atmosfera. Os animais que fazem a migração vertical diária sobem à superfície para se alimentar de fitoplâncton e depois retornam para águas mais profundas, levando o carbono do fitoplâncton com eles. Grande parte desse carbono é então defecado em profundidades onde fica efetivamente preso no fundo do oceano, impedindo seu retorno para a atmosfera.

Embora em áreas e tempos limitados, o fenômeno da migração vertical diária tem sido observado há décadas a partir de navios oceanográficos equipados com redes de arrasto ou sensores acústicos. Sensores acústicos emitem sinais acústicos que, após interagir com os organismos marinhos presentes na coluna d’agua, são refletidos de volta para o sensor e registrados na forma de uma grandeza física denominada de espalhamento volumétrico. Quanto mais intenso o espalhamento, maior a concentração de criaturas marinhas. O ecograma abaixo evidencia o fenômeno de migração vertical diária em uma região localizada na porção leste do oceano Pacífico, o espalhamento volumétrico varia de cinza (menos intenso) até o vermelho (mais intenso).

Dados coletados por sensor acústico evidencia o fenômeno de migração vertical diária em uma região localizada na porção leste do oceano Pacífico. A intensidade do espalhamento varia de cinza (menos intenso) até o vermelho (mais intenso). Quanto maior o espalhamento, maior a concentração de organismos marinhos.
Fonte: https://www.nature.com/articles/srep19873

Entretanto, após décadas de medições acústicas, vastas áreas oceânicas permanecem sem amostragem e os locais para os quais os dados estão disponíveis normalmente fornecem informações por apenas algumas semanas ou meses, resultando em uma compreensão incompleta da migração vertical diária em escala global. 

Um trabalho conjunto de pesquisadores da agência espacial americana, NASA, e da agência espacial francesa, CNES, usou o laser a bordo do satélite CALIPSO (https://calipso.cnes.fr/en/CALIPSO/lidar.htm) para produzir o primeiro estudo global da migração vertical diária (https://www.nature.com/articles/s41586-019-1796-9). O satélite foi construído para estudar fenômenos na atmosfera, como nuvens, poeira, poluição e cinzas vulcânicas. Mas o laser do satélite também pode penetrar os 20 metros superiores do oceano, portanto, se os animais migratórios se deslocarem para essa camada de água, o CALIPSO poderá vê-los.

Satélite CALIPSO e seu pulso laser. 
Crédito: NASA/Timothy Marvel

O satélite CALIPSO dispara pulsos de laser (luz visível) que adentram a coluna d’água e são espalhados com mais ou menos intensidade em função da concentração de organismos aquáticos. O satélite registra o retroespalhamento da luz, ou seja, o retorno da porção do pulso espalhado que emerge da água. Quanto maior o retroespalhamento da luz, maior a concentração de organismos aquáticos. 

No mapa a seguir, os pesquisadores examinaram os dados das passagens diurnas e noturnas do satélite CALIPSO e notaram a diferença na quantidade de retroespalhamento. As áreas coloridas em vermelho ou laranja tiveram a maior diferença na dispersão da luz, um sinal que indica um número significativo de criaturas marinhas migratórias nessas regiões. 

Diferenças na quantidade de retroespalhamento da luz durante as passagens diurnas e noturnas do satélite CALIPSO. As áreas coloridas em vermelho ou laranja representam maior diferença na dispersão da luz, um sinal que indica um número significativo de criaturas marinhas migratórias nessas regiões.
Fonte: https://earthobservatory.nasa.gov/images/145941/satellite-observes-massive-ocean-migration 

O mapa abaixo mostra a distribuição de migradores verticais nos oceanos, com cores mais brilhantes indicando maior abundância de migradores. Ao procurar padrões ao longo do período de estudo (2008-2017), os pesquisadores descobriram que, embora haja menos animais migrando verticalmente nas águas mais claras e com menos nutrientes das regiões oceânicas tropicais e subtropicais, eles representam uma fração muito maior do total da população animal nestas regiões. Em regiões com águas ricas em nutrientes (principalmente latitudes mais altas) e mais escuras, a abundância de animais que fazem a migração vertical é maior, mas nessas regiões eles representam uma fração menor da população total de animais porque mais animais ficam próximo da superfície durante o dia e a noite.

As águas costeiras têm concentrações de nutrientes mais altas do que as áreas de mar aberto por causa das entradas dos rios, ressurgência e fontes de poluição, por isso são muito mais produtivas, sustentando uma abundância de vida marinha. Isso significa que, embora a migração vertical diária seja mais aparente em águas oceânicas, a biomassa geral de animais que migram verticalmente ainda é maior em águas costeiras.
Fonte: https://earthobservatory.nasa.gov/images/145941/satellite-observes-massive-ocean-migration 

Os novos dados abrem a oportunidade de combinar observações de satélite com os modelos e entender melhor a quantificação do impacto dessa enorme migração animal no ciclo de carbono. O que os modeladores climáticos podem agora ter é um conjunto de dados global para calibrar esses modelos, para lhes dizer onde esses migradores são mais importantes, onde são mais abundantes e como mudam ao longo do tempo.

Os resultados dos estudos científicos também são relevantes para a segurança alimentar global, porque os animais migratórios são uma importante fonte de alimento para predadores maiores que são alvo da pesca comercial. Quanto maior o sinal da migração vertical diária, maior a população de peixes que podem viver nas águas marinhas.

Escrito por: Eduardo Negri, Prof. da Faculdade Oceanografia/UERJ.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Global satellite-observed daily vertical migrations of ocean animals (https://www.nature.com/articles/s41586-019-1796-9 )

Two hundred years of zooplankton vertical migration research (https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/brv.12715 )

Large scale patterns in vertical distribution and behaviour of mesopelagic scattering layers (https://www.nature.com/articles/srep19873 )

Satellite Observes Massive Ocean Migration (https://earthobservatory.nasa.gov/images/145941/satellite-observes-massive-ocean-migration )

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