Mergulho Saturado: As angústias e os prazeres da segunda profissão mais perigosa do mundo

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Mais uma despedida de família. Os sentimentos chegam de forma avassaladora no coração dos mergulhadores e dos seus entes queridos. Ansiedade, medo, excitação e esperança são apenas alguns deles. O reencontro será nos próximos 28 dias, após o perigoso retorno a superfície, quando respirar nunca foi tão gratificante.

Os mergulhadores saturados são os verdadeiros astronautas do mar. A preparação física exige nível militar e o preparo intelectual necessita ser hábil para tomar decisões complexas em curto espaço de tempo e encarar o desafio de ficar 28 dias submersos trabalhando de forma braçal, sobretudo, em plataformas de petróleo onde a pressão chega a ser 30 vezes maior que na superfície e a profundidade em torno de 290 metros.

O fato de que a história do mergulho profissional brasileiro é intimamente ligada a produção de petróleo é decerto curioso. É através da modalidade onshore, no poço de Lobato na Bahia, na década de 1950 que ocorre a criação da Petrobrás. Um novo marco na produção do petróleo. Mas, apenas em meados da década de 60, é que começa a exploração em modelo offshore, a partir da descoberta do campo do Roncador na bacia de Campos no Rio de Janeiro. Dessa forma, o emprego de mergulhador para a realização de atividades de manutenção e inspeção de poços foi ganhando cada vez mais força, os levando a mergulhar em profundidades cada vez maiores e com isso, riscos em níveis mais profundos.

A atividade de mergulho, em sua definição, é uma das atividades mais complexas e perigosas do mundo. O mergulhador precisa estar disposto para se infiltrar em um ambiente muita das vezes hostil e sujeito a exposição de altas pressões, ataques de animais marinhos, doenças mortais e cumulativas. Após a despedida da família, a nova jornada começa. A empresa recruta os trabalhadores e o navio se dirige até a plataforma que precisa de intervenção, acoplando os equipamentos necessários, como a câmara hiperbárica, o sino, robôs que acompanham os mergulhadores (ROV), além das roupas de mergulho, as ferramentas, entre outros. O processo se inicia na câmara hiperbárica, (caixas metálicas de 27m2) instaladas junto às plataformas, numa dinâmica que onde o mergulhador passa pelo processo de pressurização para atingir a pressão correspondente à profundidade a qual vai mergulhar. Após o processo de pressurização, o mergulhador é deslocado para o sino (câmara submersiva) que é o módulo preparado para conduzir o mergulhador ao seu local de trabalho.

Durante 28 dias, os mergulhadores vivem em um regime de confinamento sem ao menos poderem enxergar a luz do dia. São vinte dias no percurso que ocorre entre a câmara hiperbárica, o sino e o mar. Antes de retornarem para à superfície, os mergulhadores precisam passar até sete dias na câmara no processo de despressurização para realizarem um desembarque seguro. O trabalho costuma ser realizado em dupla, ao se deslocarem para o sino de mergulho, um deles, chamado de Bell Man, que fica responsável por permanecer no sino de mergulho e auxiliar o mergulhador que vai para a água fornecendo apoio e suporte ao mergulhador, em especial nas situações de perigo. Na superfície, há uma equipe acompanhando todo o processo através de equipamentos de áudio e vídeo.   

Nesse processo, o estresse e a tensão cercam todos ali envolvidos e um erro pode custar a vida de todos. Tamanha exposição os coloca numa posição extremamente vulnerável. O ambiente hiperbárico proporciona alterações anatômicas. Com o aumento da pressão, o sangue se desloca das extremidades para os vasos pulmonares, diminuindo a capacidade vital pulmonar. O sistema respiratório também sofre alterações. Tais mudanças são sentidas, tanto da descida, como na subida e tendem a gerar sequelas a longo prazo. A falta de disposição ao realizar atividades simples, como uma caminhada é uma delas. O mergulhador passa a sentir mais cansado ao fazer coisas que costumavam ser rotineiras.

Fonte: https://mundomergulho.blogspot.com/2021/10/recorde-saturacao-o-mais-profundo-que.html

Um dos mergulhadores que participou da pesquisa da Fabiana Marques da Silva, formada em psicologia pela Universidade de Brasília, deu a seguinte declaração: “(…) o trabalho que realmente exaustivo, puxando cabo de aço, o trabalho do mergulhador não é um trabalho de biólogo de ver peixe, de estudo, ele é um trabalho de peão mesmo, […].

Mas, apesar dos pesares, a vida no offshore também possui seus prazeres. É como se o mar escolhesse a dedo cada mergulhador. Ainda no artigo de Fabiana, os mergulhadores relatam essas sensações: “…um desafio era chegar onde poucos homens foram e muitos não vão, nunca irão, era um grupo que me identificava plenamente[…]. Muitos também descrevem uma incrível sensação de bem-estar, como se estivessem em casa. Além de paz, outra fonte de prazer está associada ao domínio sobre a atividade, ou seja, a possibilidade de o mergulhador concluir uma operação que foi iniciada por ele, de modo que possa identificar o trabalho como seu, como sua obra.

Esses grandes desbravadores dos oceanos são considerados verdadeiros heróis do mar. Esses profissionais fomentam a base da economia marinha e a sua remuneração não condiz com tamanho esforço que fazem para que a sociedade como um todo venha a cada vez mais conhecimento das profundezas que nos cercam. Ah! E para você que chegou até aqui ainda curioso, a profissão mais perigosa do mundo é a dos astronautas!

Escrito por Carla P. L. Oliveira

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SILVA, Fabiana Marques da. Fora e dentro do mundo: Sofrimento e prazer no trabalho de mergulho profundo em regime de confinamento. 2011. Monografia (Especialização em Psicodinâmica do Trabalho) – Universidade de Brasília, Brasília, 2011. Disponível em: https://bdm.unb.br/handle/10483/3385. Acessado em 15 / 03 / 2023.

SOUSA, Bráulio Almeida de. Sino de mergulho flexível para uso em água doce: concepção e projeto. 2014. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Engenharia Mecânica) — Universidade de Brasília, Brasília, 2014. Disponível em: https://bdm.unb.br/handle/10483/10156. Acessado em 15 / 03 / 2023.

SILVA, Roberto Calabria Guimarães da. Identificação do nível de estresse da atividade de mergulho profundo, a partir da percepção do mergulhador. 2017. Programa de Pós-Graduação em Engenharia Industrial. – Universidade Federal da Bahia (Escola Politécnica), Bahia, 2017. Disponível em: https://repositorio.ufba.br/handle/ri/24919. Acessado em: 15 / 03 / 2023.

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